Atenção! O Portal dos Bancários RS utiliza cookies neste site, eles são utilizados para melhorar a sua experiência de uso e estatísticos.

#DIVERSIDADE | 10/11/2023
Adoção de políticas afirmativas por parte dos bancos é fundamental na luta contra o racismo no sistema financeiro

Na manhã desta sexta-feira (10/11), bancários e bancárias de todo o Brasil, nos modos presencial e online, acompanharam os debates sobre a história das relações de trabalho e raciais no Brasil e as consequências na vida da população negra. A 7ª edição do evento, uma iniciativa da Contraf-CUT, acontece no Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região e tem o apoio da Fetrafi-RS.

O economista e professor Mário Theodoro, doutor pela Université Paris 1 e autor do livro "A Sociedade Desigual", percorreu a história do Brasil, a partir da Lei Áurea, para explicar como se construiu o contexto atual do mercado de trabalho, em que negros e negras, na maioria das vezes, ocupam cargos subalternos. Segundo o pesquisador, ao substituir a mão de obra escrava por imigrantes europeus, o governo tinha a intenção de "branquear" o país. A meta era que em 200 anos, toda a população brasileira fosse branca. Dados do IBGE de 2022 apontam que 56% da população brasileira é formada por pessoas pretas e pardas.  

De acordo com Theodoro, essa ideia não era absurda na época, porque o mundo acreditava na chamada eugenia (princípio que guiou Hitler e o nazismo), que é a seleção dos seres humanos com base em suas características hereditárias com o objetivo de melhorar as gerações futuras. E dentro dessa ideia, homens e mulheres negros não cabiam. Por isso, escravos e escravas foram libertos e jogados na rua, sem trabalho, sem comida e sem moradia, dando então origem às favelas, que eram aglomerados de casas construídas de qualquer maneira em locais por vezes inóspitos. "A industrialização do Brasil foi feita por brancos imigrantes, sob o argumento de que precisavam de pessoas experientes, mas os homens brancos que vieram da Europa só entendiam de terra, assim como os escravos", argumentou o economista.

Na década de 50, considerada um divisor de águas para Theodoro, o governo resgatou a Lei de Terras, do tempo do Império, em que as terras deveriam ser dadas aos "homens bons". "Mas quem eram esses homens bons para o governo e para a sociedade? Homens brancos e de boa estirpe", explicou. Assim, muitos negros que haviam ocupado terras sem uso quando foram expulsos das fazendas no fim da escravidão, para plantar alimentos e conseguir sobreviver, perderam seu pedacinho de chão para homens brancos e mais uma vez foram jogados à rua. 

Abandonados à própria sorte, ex-escravos e ex-escravas não tiveram outra opção a não ser o trabalho informal, na maioria das vezes na rua, expostos ao sol, ao frio, à chuva e a todo tipo de doença. Sorte daquele que conseguia um emprego em casa de família, ainda que fosse em troca de casa e comida. Até hoje, a grande maioria da população negra no Brasil trabalha na informalidade e em subempregos, ganham menos que os brancos, emboram paguem os mesmos impostos. 

Theodoro lembrou que o status de país moderno adquirido pelo Brasil foi graças à desigualdade social e racial. "O Brasil é um dos maiores reclicadores de alúminio do mundo. Isso graças aos milhões de miseráveis, em sua maioria negros e negras, que catam latas na rua e vendem por um miséria, que mal dá para comprar comida", pontuou. Para ele, a sociedade "se viciou na desigualdade", normalizou a pobreza, mas é preciso inverter essa lógica para construir um mundo com mais equidade. E para isso espaços de debate como o VII Fórum para a Visibilidade Negra no Sistema Financeiro são de extrema importância, assim como fazer valer as leis de criminalização do racismo que já existem. 

Em relação ao sistema financeiro, o economista ressalta que os bancos precisam adotar políticas afirmativas que sejam capazes não só de empregar mais negros e negras, mas também permitir a ascensão dos mesmos. "Os poucos negros que trabalham em bancos não ascendem. Os sindicatos precisam levar essa questão para as mesas de negociação e exigir que hajam mais trabalhadores negros em cargos de maior importância", disse. 

Ele apontou ainda a educação, a saúde e a habitação como setores de extrema importância no combate à desigualdade. Para Theodoro, essas três áreas precisam de um forte investimento público, para que as crianças e os jovens negros de hoje, que em sua maioria frequentam a escola pública, possam construir para si e para as futuras gerações uma realidade melhor. "As cotas raciais nas universidades foram e ainda estão sendo muito importantes, serviram para quebrar um ciclo, mas não são suficientes", frisou. Em relação à saúde, o economista defendeu o fortalecimento e ampliação do SUS, para que mais pessoas pobres e pretas tenham acesso a um serviço de saúde de excelência. Possibilitar que essas famílias possam viver em um local seguro, em moradias dignas, seria outro aspecto importante para combater a desigualdade social e racial no país. 

Racismo estrutural, individual e institucional

A advogada e coordenadora do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça, Tamires Sampaio, explicou a diferença entre as modalidades de racismo e forma como impactam na realidade das pessoas negras. Ela contou que na universidade privada em que fez graduação e mestrado, localizada na cidade de São Paulo, em uma turma de 80 alunos de Direito, haviam três negros, ainda assim por causa das políticas afirmativas. Proporção similar se dava no meio docente. "E onde se via negros ali? Na limpeza e na segurança, porque na cantina, por exemplo, onde há um contato direto com público, os funcionários eram todos brancos", relatou. 

Em outro relato, Tamires citou o caso de um hospital privado que mantém um andar inteiro com funcionários brancos. "Para esse andar vão aqueles pacientes que se recusam a ser atendidos por profissionais negros", disse ela. Através desses dois exemplos, a advogada explicou o racismo institucional, que na verdade surgiu a partir de uma manifestação individual: daquele paciente que não admite ser atendido por negros ou negras. "No momento que o hospital separa uma ala inteira para atender essas pessoas, ele está institucionalizando o racismo", explicou. Assim como a universidade que não contrata pessoas negras para lidar direto com o público, porque sabe que haveria uma rejeição por boa parte das pessoas que frequentam o local.

Tamires abordou também a questão das leis que não saem do papel ou andam a passos lentos. Segunda ela, nunca houve tantas leis para proteger negros e negras, mas as pessoas que operam o direito no País são brancas e tendem a minimizar os crimes de racismo. "Muitas vezes, no meio do caminho um crime de racismo vira injúria racial, cuja pena é mais branda, ou é arquivado", denunciou. Para ela, essa realidade só vai mudar quando tivermos mais negros e negras nos espaços de poder, tanto no Judiciário, como no Legislativo e no Executivo. 

Assim como o professor Mário Theodoro, a advogada Tamires Sampaio defendeu a educação como caminho para se mudar essa realidade. Mas para além de uma educação pública, de excelência e com acesso gratuito é fundamental que os currículos contemplem temas que possam empoderar a população negra. "Ninguém nos conta na escola que os escravos vieram de terras onde haviam reis, rainhas, e princesas. O que nos contam é que os negros eram acostumados a serem escravos em sua terra natal e que as entidades das religiões de matrizes africanas estão ligadas ao mal", exemplifica. E é essa ideologia, segundo Tamires, essa criminalização da cultura negra, que faz com que negros e negras desde cedo se sintam diminuídos. "Não querem que a gente saiba o tamanho da força que temos para mudar o mundo". 

A advogada abordou ainda a questão da violência, que a cada dia mata mais negros e negras."No Brasil, morrem cerca de 60 jovens por dia vítima da violência, sendo a grande maioria de negros. O feminicídio de mulheres brancas caiu, mas o de mulheres negras aumentou. As pessoas ouvem isso e não reagem, porque essa realidade cruel foi normalizada", ressalta. E a normalização desse triste contexto passa pela "desumanização" ou "animalização" das pessoas negras. Segundo ela, os Direitos Humanos sofrem tantos ataques devido ao fato desse setor atender, em sua maioria, pessoas negras. 

Em relação à segurança pública, a advogada defendeu que sem casa, comida, emprego, escola e lazer não é possível combater a violência. "Não adianta encher as ruas de viaturas e policiais, se as pessoas estão desempregadas, sem casa e passando fome. Vão acabar roubando, porque precisam sobreviver. Por isso é preciso casar políticas públicas de todas as áreas, para que possamos ter um resultado positivo", explicou. Segundo ela, o Pronasci lançou um programa de bolsas para capacitação de profissionais que atuam na segurança pública, com o objetivo de "aprimorar o Estado Democrático de Direito, o fortalecimento do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e a defesa dos direitos e garantias fundamentais, sobretudo, àqueles relativos à proteção das mulheres, da população negra, sobretudo os jovens e demais grupos em situação de vulnerabilidade". 

Tamires ressaltou a importância de cada vez mais pessoas brancas se engajarem na luta antirracista e participarem de debates sobre o tema. "Essa transformação que queremos necessita de pessoas brancas também, para que no lugar de privilegiadas, elas possam entender que os privilégios dos quais desfrutam tem um preço muito alto para a população negra e que essa mudança é urgente e necessária". 

Leia também:

>> Fórum pela Visibilidade Negra no Sistema Financeiro inicia no SindBancários

>> Desigualdade e racismo têm raízes históricas, defendem estudiosos

 

    


Texto: Maricélia Pinheiro/Verdeperto Comunicação

Fotos: Eduardo Seidl/Fototaxia

OUTRAS MATÉRIAS
Itaú | 06/09/2024
Bancários do Itaú recebem PCR junto com a PLR
Conquista está garantida graças ao ACT de dois anos assinado no ano passado
#CAMPANHASALARIAL | 04/09/2024
Finalizada a negociação com o Banrisul 
COE avalia que o acordo traz avanços dentro do possível e indica a aprovação da proposta.
#VOTAÇÃO | 04/09/2024
Fetrafi-RS indica aprovação das propostas da CCT e dos ACTs dos bancos
A proposta nacional prevê reajuste de 4,64% nos salários e demais verbas, o que daria um ganho real de 0,7%.