Os princípios de solidariedade, pacto intergeracional e mutualismo, que embasaram a criação do Saúde Caixa, estão seriamente ameaçados pelos sucessivos ataques aos direitos dos trabalhadores das empresas públicas federais nos últimos anos e que refletem o contexto social do neoliberalismo, no qual a saúde é uma mercadoria. Isso ficou evidente durante a plenária virtual da noite de segunda-feira (09/10), que reuniu quase 100 bancários(as) da Caixa no Rio Grande do Sul, para debater os entraves para renovação do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) que trata do formato de custeio do plano de saúde da categoria.
O limite imposto de no máximo 6,5% da folha de pagamento para custeio do plano de saúde, previsto no estatuto da Caixa, ataca a proporção 70/30 do custeio do plano, fazendo com que os empregados paguem uma proporção cada vez maior das despesas, desonerando a Caixa. A representação dos empregados da Caixa na Comissão Executiva dos Empregados (CEE – Caixa) defende a manutenção do modelo 70/30 e que o estatuto do banco seja alterado, retirando o teto do custeio. Além disso, a Caixa já apresentou anteriormente proposta de cobrança por faixa etária, o que fere o princípio do pacto intergeracional, praticado desde a implementação do Saúde Caixa. No atual modelo, os empregados não pagam mais a medida em que envelhecem e os custos são suportados solidariamente pelo coletivo.
Outro entrave é o limite de custeio, por parte da estatal, de 50%, implantado em 2018 através da CGPAR nº 23 e reeditado em 2022 pela CGPAR nº 42. "Se renovado dentro desses parâmetros, haverá um reajuste de 85% em 2024 e de 107% em 2025 para os usuários", observou Leonardo Quadros, diretor de Saúde e Previdência da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae). Caso isso aconteça, a previsão é de que haja uma evasão em massa do Saúde Caixa e, consequentemente, um aumento ainda maior dos custos.
Quadros, que também faz parte do GT Saúde, defendeu que se leve para a mesa de negociação a proposta de manter a proporção de 70/30 e a não aplicação do teto de 6,5%. Ele lembrou que a atual presidente da Caixa, Maria Rita Serrano, quando sindicalista defendia esse modelo, mas agora "ela está do outro lado. Não podemos achar que a negociação vai ser fácil pelo fato da direção da Caixa estar nas mãos de uma ex-sincalista", atentou.
Caroline Heidner, diretora do SindBancários de Porto Alegre e também de Saúde Suplementar da Anapar, fez um apanhado sobre os principais temas da Autogestão em Saúde, que hoje reúne quase 4 milhões de vidas em diferentes planos, dentre os quais, o Saúde Caixa, além de Cassi, Cabergs, e outros. 'O Saúde Caixa não é um plano de saúde de mercado, mas sim de autogestão, sem fins lucrativos, com especificidades próprias e que está inserido nas relações de emprego', explicou.
Ela destacou a importância e a urgência de uma forte mobilização em torno da negociação pela renovação do ACT e evidenciou que, para além desse desafio, a sustentabilidade de longo prazo do Saúde Caixa passa por outros temas complexos. "O Saúde Caixa é uma autogestão por RH, e para essa modalidade há um vazio legislativo que abre espaço para desmandos da empresa sobre o plano. Estamos nos articulando em torno do PL 7419/2006, que irá alterar a lei 9656/1998 dos planos de saúde, para incluirmos no texto direitos e garantias aos beneficiários dessa modalidade", informou. Nesse sentido, a dirigente destacou a necessidade da participação dos empregados na gestão do plano "nós pagamos pelo Saúde Caixa, mas não estamos na gestão do plano. É necessário avançarmos nesse aspecto, o Conselho de Usuários segue apenas consultivo, os empregados precisam ter poder deliberativo sobre o plano, em paridade com a empresa", defendeu.
Heidner ainda abordou temas como o CPC 33, que hoje é o principal motivo dos ataques aos aposentados, e defendeu a manutenção do pacto intergeracional "se o pacto for quebrado, não são apenas os aposentados que serão prejudicados. Os ativos de hoje, que na maioria estão há 20 anos no Saúde Caixa contribuindo no pacto intergeracional, terão um enorme prejuízo ao não contar com os mais jovens no momento que mais precisarem", destacou. Ela lembrou que os admitidos a partir de setembro de 2018 seguem sem o direito de levar o Saúde Caixa na aposentadoria, o que é inadmissível. "O pacto intergeracional só é viável se todos tiverem os mesmos direitos. É do nosso mais alto interesse lutar para que os novos colegas tenham os mesmos direitos que nós temos, sem isso, seremos nós que não teremos como suportar o custo do plano na nossa aposentadoria", ressaltou.
Sabrina Muniz, diretora da Fetrafi-RS e representante do RS na CEE Caixa, relatou a dificuldade na negociação com a Caixa e obtenção dos dados necessários para apurar o prejuízo projetado de R$ 355 milhões para 2023. "Precisamos ter segurança nos números para poder avançar na negociação com a Caixa, que diz ter pressa para fechar um acordo, mas até agora não apresentou proposta. Queria encerrar o GT sobre o Saúde Caixa, mas desmarcou a mesa que estava prevista para o dia 3 de outubro e não sabemos quando teremos a próxima. Por isso é muito importante todos estarem por dentro do debate sobre o Saúde Caixa, pois em breve devemos ter uma proposta para analisar", informou.
Ela espera que a Caixa não apresente proposta com cobrança por faixa etária. "Tivemos sinalização da Caixa na rodada da mesa do dia 31 de agosto no sentido da manutenção dos princípios do Saúde Caixa. Espero que tenhamos essa garantia e que a Caixa não apresente proposta por faixa etária, mas de toda forma, o teto de 6,5% tem inviabilizado a proporção acordada de 70/30", colocou.
Em relação a várias queixas sobre rede credenciada insuficiente, expostas por usuários durante a plenária, Michele Venzo, diretora da Fetrafi-RS, informou que nos últimos anos o número de profissionais/estabelecimentos credenciados ao Saúde Caixa caiu de 25 mil para 19 mil. "A falta de especialistas na rede em alguns locais acaba saindo mais caro para o plano, que é obrigado a reembolsar o valor integral de uma consulta particular", observou.
Para Tiago Pedroso, diretor do SindBancários Poa e Região, a defasagem na rede credenciada é um reflexo do desmonte da Caixa durante os governos Temer e Bolsonaro. "Embora tenhamos agora como foco principal a negociação para renovar o Saúde Caixa, temos que estar em luta permanente pelas melhorias no plano. É preciso melhorar a rede de atendimento, que ficou comprometida com as políticas de desmonte das estatais praticadas nos últimos anos", disse.
O Saúde Caixa hoje possui cerca de 288 mil beneficiários e pela quantidade de entraves expostos durante a plenária é possível dimensionar o tamanho do embate que os representantes dos(as) empregados(as) da Caixa terão com a direção do Banco nos próximos meses, nas tratativas para renovação do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), no que diz respeito à renovação do plano de saúde.
Texto: Maricélia Pinheiro/Verdeperto Comunicação